quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Visão Mística - Fantasia ou Realidade?


Saudações a todos.

No post anterior, descrevo uma visão do funcionamento do mundo conforme a visão mística, em que postulo que o mundo está evoluindo de forma inexorável em um sentido do mais denso para o mais sutil, sendo que, ao final desse processo, todos nós poderemos nos reintegrar a Deus, em um estado de infinita perfeição.  Em resumo, estamos todos caminhando para a perfeição, e a única variável relevante nesse processo é o tempo que isso vai demorar para ocorrer, porque sua ocorrência é certa.

Além disso, em posts anteriores, já discorri sobre a unidade cósmica, que postula que temos todos uma ligação íntima com Deus, sendo todos nós iguais em essência, e identificados com Deus. 

Esses dois pontos nos levam a concluir que o mundo é bom e amoroso em essência, já que sua essência é Deus, cujo atributo ativo em nosso universo é representado pela Lei do Amor.  Além disso, podemos afirmar que tudo o que ocorre conosco em nossa vida é também essencialmente bom, e representa o que de melhor pode ocorrer conosco, tendo em vista o objetivo maior da evolução universal, de nos “reintegrarmos” a Deus.

Daí surge uma questão bem relevante: como conciliar essa visão de mundo com a realidade sensível de nosso dia a dia?  A primeira vista, essa visão acima descrita pode parecer um verdadeiro devaneio, uma fantasia inocente, ou, mais precisamente, uma submissão da realidade sensível a modelos ideais, tal como numa alienação mental – “o mundo é como eu penso, e se algo acontece que contraria minha ideia, ignoro o fato”.  Em plena era da ciência e da razão, com seu primado da verificação experimental de qualquer hipótese, pode parecer bastante ultrapassada essa visão, para dizer o mínimo.

Devo dizer, porém, que a visão mística não se opõe à razão, á constatação de fatos por nossa experiência, ela não busca negar nenhuma experiência sensível, nem quaisquer conclusões racionais que possamos chegar a partir de nossas percepções.  Visão mística não é de forma alguma uma visão irreal ou com “lentes cor-de-rosa” do mundo, considerando o que é bom e sublime e ignorando o resto. 

Em outras palavras, a visão mística não se contrapõe ao método científico, nem nega sua validade (embora a ciência costume negar a validade da visão mística), porém propõe uma ampliação deste método, inserindo outra fonte de conhecimento relevante, além da razão – a intuição – e um parâmetro de validade das conclusões atingidas – a felicidade, indicada pelas nossas emoções. 

Vamos então aprofundar um pouco essa reflexão sobre a “realidade” da visão mística.

Para começar, devo falar do conceito de “realidade sensível”, tão respeitado nos dias de hoje.  Ora, o homem contemporâneo tende a confiar em seus sentidos como principal fonte de conhecimento, na linha do “ver para crer” – só posso acreditar naquilo que meus sentidos possam comprovar.  Mas temos que considerar que nossos sentidos nem sempre são tão objetivos assim. 

Devo dizer que inúmeros estímulos visuais, sonoros, táteis, chegam até nós a cada segundo, e nosso cérebro automaticamente filtra os mais relevantes, sendo que esse “filtro” é diretamente influenciado por nossas crenças, nossas convicções mais profundas.  Em outras palavras, tendemos a ver muito bem o que queremos ou estamos preparados para ver, e muitas vezes ignorar completamente aquilo que, mesmo real, contradiz nossas crenças pessoais.  Há inúmeros experimentos de “ilusão de ótica” que demonstram como nossos sentidos podem falhar objetivamente.

Esse conceito pode ser ampliado para explicar como é o avanço da ciência moderna.  O senso comum sugere que a ciência se desenvolve de forma meio aleatória, que cientistas vão coletando informações dispersas sobre a natureza, e daí fazendo suas descobertas sem um propósito aparente.  Porém, na realidade, o cientista sempre prepara sua experiência e parte de hipóteses que necessitam de comprovação, com interesses bastante específicos, ou seja, ele só descobre o que ele está buscando descobrir – raramente o acaso intervém e surgem descobertas inesperadas.  Isso nos leva à conclusão que o avanço da ciência é determinado principalmente pela vontade e interesse dos cientistas e das organizações a que pertencem, formadas por seres humanos com suas crenças e convicções.





Devido à limitação do tempo, vemos somente o instante atual, com memória de nossas experiências de alguns anos atrás.  Ocorre que o universo existe há bilhões de anos, e deverá existir ainda por um tempo muito longo, o que já mostra o quão limitada é nossa percepção.  Sabemos muito bem o quanto nossa percepção pode ser alterada se considerarmos um determinado fato 5 minutos e 5 anos depois de sua ocorrência – muitas vezes a percepção do mesmo é oposta.  Assim, como falar em percepção objetiva se nossa janela de tempo é tão insignificante – o que são dezenas de anos diante dos bilhões de nosso universo sensível?

Dando um exemplo prático, há uma aparente contradição entre a afirmação de que o mundo está em evolução, rumo a algo mais sublime, com os fatos que vemos todos os dias nos jornais – guerras, crimes, genocídios, fome, miséria, etc. – e também com as situações que costumamos passar em nosso cotidiano, muitas vezes desagradáveis.

Mas procure imaginar: como era viver em nosso planeta há 1 milhão de anos atrás, na época dos primeiros hominídeos?  Será que éramos seres tão racionais assim?  Ou será que lutávamos o tempo inteiro pela nossa sobrevivência, em um estresse constante, com grande chance de fracassar e morrer a qualquer momento?

E como era viver na antiguidade clássica?  Como era viver na idade média?  E como era viver há 300 anos atrás, sem internet, sem celular, sem rádio ou TV, sem automóvel, sem trem, sem avião, sem energia elétrica ou a vapor, sem petróleo, sem saneamento básico, sem anestesia, sem guarda-chuva, e praticamente sem direitos básicos, sem hospitais, sem educação pública?  Estamos hoje menos evoluídos que naquela época?

Alguns podem dizer que o íntimo do ser humano não evolui, que continuamos sendo seres cheios de raiva, cobiça, egoísmo, ciúmes, queremos tudo somente para nós, de forma insaciável, e somos capazes de fazer coisas bárbaras, que nenhum animal “irracional” é capaz de fazer.  Tudo isso pode ser observado, sem dúvida, até os dias de hoje.  Mas a questão é: esses fatores são agravados ou atenuados pelos confortos de nossa vida moderna?  Será que temos mais ou menos defeitos horrorosos que um habitante da Grécia antiga? 

Sinceramente acredito que o conforto material e a satisfação de necessidades materiais básicas, incluindo saúde e educação, tendem a levar o ser humano a um estado mais elevado de consciência, em que ele estaria menos propenso a ter essas atitudes odiosas e mesquinhas – não evita totalmente isso, mas tende a reduzir sua incidência.  E digo isso baseado no princípio da analogia, já descrito em outro post: assim como ocorre no campo material da existência, tende a ocorrer no campo mais sutil, dos comportamentos e intenções – há exceções relevantes, é claro, mas estou falando de uma tendência geral.

Em relação à limitação de espaço, entendendo esse termo em um sentido mais amplo, podemos verificar que nossa mente não consegue se ocupar de mais de um assunto ao mesmo tempo, embora inúmeros processos estejam ocorrendo simultaneamente no mundo.  Com isso, precisamos focar em algo que nos interesse mais, a cada instante, e nossa visão será necessariamente limitada àquele compartimento que estejamos analisando naquele momento.

Isso significa que, ao pensarmos sobre uma determinada questão, nunca conseguimos levar em conta todos os fatores que influenciam no assunto, até porque no fundo tudo está interligado, e muitas vezes essa visão parcial da realidade nos leva a conclusões totalmente equivocadas.

Posso afirmar que boa parte dos eventos que consideramos “ruins” em nossa vida, se vistos por um ponto de vista mais global, mais sistêmico, se revelam muito úteis para nos alertar sobre situações que necessitam de mais atenção, ou para nos induzir a uma correção de rumos em direção ao verdadeiro caminho da evolução.

Por exemplo, uma doença física grave – um câncer – pode ser encarada como uma oportunidade que aquela pessoa vai ter de parar e refletir sobre sua vida, sobre seus valores, sobre o que está bom ou ruim, o que precisa melhorar, e muitas vezes tal mudança de enfoque provoca verdadeiros milagres na vida das pessoas, incluindo a cura da doença.  Pode-se pensar que a doença surgiu na vida daquela pessoa porque era isso o que ela mais precisava, não para satisfazer seus objetivos imediatos, mas para realmente evoluir em essência rumo a Deus.

Pode-se argumentar que esse é um ponto de vista subjetivo, amplamente questionável, mas eu respondo que qualquer ponto de vista é necessariamente subjetivo, não existindo objetividade absoluta em nossas percepções.  Assim, qualquer visão de realidade tem por trás um conjunto de convicções que têm, em si, um componente de “fantasia”, de “imaginação”, vindo do nosso subconsciente. 

Com isso, pode-se notar que, diante de qualquer evento em nossa vida, a questão relevante não é se vou acreditar ou não em “fantasias”, se serei idealista ou pragmático, só acreditando no que meus sentidos me dizem.  Porque simplesmente não há como ser 100% pragmático, o idealismo é parte integrante de nossa mente.  Assim, a pergunta relevante passa a ser: que visão “fantasiosa” eu escolho ter?  E, por trás dessa visão, qual ideia fundamental ancora minha existência e servirá de base para minha personalidade?  Qual é o “Deus” que eu elejo para reger minha vida?  Será um Deus explícito, religioso, místico, ou será um Deus implícito: “ciência”, “razão”, “caos”, “ser humano”, “vazio”?  Pode-se concluir que mesmo os ateus necessitam de algo em que se ancorem, para poderem, a partir daí, entender o mundo à sua volta.

Concluindo essa digressão, posso afirmar que a visão mística é fantasiosa sim, como qualquer outra, e que eu gosto muito dessa visão por um simples motivo: ela me faz ser otimista, ter esperança no mundo, e isso me faz sentir muito bem, trazendo-me um estado subjetivo mais próximo do que considero o estado de felicidade.  Naturalmente, respeito integralmente quem não elege essa visão, sem dúvida terá motivos válidos e relevantes para tal – respeito e tolerância, para mim, são fundamentais.

Posso dizer ainda que, para mim, a validade de uma visão não repousa somente em “provas objetivas” diversas de sua validade, selecionadas de forma necessariamente limitada de nosso universo sensível, mas sobretudo na impressão profunda e subjetiva que ela traz para mim, como se em meu interior houvesse um “validador” automático de visões, um “indicador” de que aquilo que me dizem é ou não válido para minha felicidade

Eu realmente acredito nesse meu “indicador”, nessa minha “voz da consciência”, acredito inclusive que ela tem muito em comum com a de todas as outras pessoas, cada uma em sua singularidade – é o princípio da unidade na diversidade, uma ideia muito interessante, que será melhor desenvolvida em um próximo post.  Acredito que essa “voz” é uma centelha divina em mim, e procuro me harmonizar o máximo possível com ela.  Desta forma tenho vivido em um estado mais feliz, e isso é o que mais me importa.

Espero então que essas breves considerações ajudem vocês a refletirem sobre a validade da visão mística, e sobre algumas “certezas objetivas” disseminadas na sociedade atual, que nem sempre são tão objetivas assim, mas que muitas vezes são defendidas com status de dogma, ou seja, sem termos direito à sua contestação.

Saudações fraternas.

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