segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Obstáculos 3 - Orgulho e Ira




Saudações a todos.

Agora é a vez de dois temas ligados entre si, que constituem dois dos maiores obstáculos que podemos ter em nosso caminho à Reintegração Divina: o orgulho e a ira.  Estes dois fatores podem nos atrapalhar bastante, resultando, em casos extremos, no fanatismo, totalitarismo e fundamentalismo, com terríveis consequências para a própria humanidade.

O orgulho é considerado um dos maiores obstáculos em nosso caminho, e ele tem uma característica que torna difícil a sua superação: quanto mais se avança no caminho da Reintegração, quanto mais a pessoa se sente harmonizada e próxima da felicidade, quanto mais ela estuda e pratica ensinamentos sublimes, mais provável é ela sucumbir à armadilha do orgulho.  Assim, o orgulho seria uma espécie de “prova final”, ou “prova de fogo”, que testa a harmonização da pessoa depois que ela conseguiu superar muitos outros obstáculos.

Infelizmente, é muito comum encontrarmos líderes carismáticos místicos ou religiosos, pessoas muito conscientes de seu caminho e de sua missão, com um orgulho praticamente indomável, a ponto de se desviarem do caminho para dar vazão a pensamentos e atitudes orgulhosas – quem nunca viu um líder assim?

Afinal, quando sabemos muito, quando temos consciência de muita coisa que outros não têm, quando somos bem sucedidos, quando temos posição de liderança, quando temos carisma e as pessoas gostam muito do que falamos, é quase natural que pensemos: “sou especial, sou melhor que a maioria”.  E essa é a semente do orgulho, semente difícil de combater.

E a própria comunidade pode ajudar muito nesse processo, pois existem pessoas que têm uma inclinação natural para venerar ídolos externos a elas – quando o grande “ídolo” a ser admirado e amado é Deus, que se encontra dentro de cada um de nós.  E essas pessoas, em busca de “gurus”, acabam fazendo uma espécie de parceria complementar com esses líderes carismáticos, criando um círculo vicioso de domínio e dependência, de vaidade e adulação, que pode ser terrível para todos os envolvidos.  Naturalmente, as pessoas são livres para escolher o seu caminho – se estão felizes nele, ótimo.

Analisando as causas do orgulho, posso dizer que este tem origem na ilusão básica da separação, pois, quando vemos o outro como “diferente” de nós, como essa visão nos traz um “vazio” essencial, naturalmente se estabelece a carência, a necessidade, a incompletude – achamos que algo nos falta, que não somos bons o suficiente.  Daí, tendemos a compensar essa “inferioridade ilusória” em relação aos outros, buscando diversos aspectos que nos tornem “melhores”, mais dignos, mais inteligentes, mais virtuosos, mais fortes, mais habilidosos, mais ricos, em uma competição desnecessária e sem sentido, mas extremamente comum.

Conforme a visão mística, somos todos unos em essência, temos a mesma dignidade essencial, e nossas diferenças servem para enriquecer nossas experiências, dando maior dinamismo à nossa caminhada – já pensou se fôssemos todos iguais, tivéssemos os mesmos gostos, pensássemos e sentíssemos da mesma forma?  Sem dúvida, a convivência seria muito menos interessante e desafiadora.

Assim, a visão mística entende que não há ninguém melhor ou pior que ninguém, somos apenas diferentes.  Essa frase anterior merece ser lida e repetida inúmeras vezes, para se fixar bem seu conteúdo.  E ser diferente, em princípio, é muito bom, pois enriquece o convívio, desde que tenhamos o devido respeito e tolerância com os outros, deixando de ser tão orgulhosos.

Posso dizer então que não sou pior do que qualquer líder, político ou religioso, não sou pior que Gandhi, madre Tereza de Calcutá, Einstein, Mozart, Newton ou qualquer outra pessoa.  Também posso dizer que não sou melhor que nenhum ladrão ou mendigo de minha cidade, que nenhum ditador sanguinário, nenhum psicopata.  Somos todos iguais em essência! 

Somos diferentes somente na forma.  Às vezes essas diferenças são imensas, mas não devemos julgar ninguém, pois todos têm seus motivos para agirem como agem, para pensarem como pensam – cada um tem sua história de vida e tem seu sagrado livre arbítrio.  Se Deus respeita nosso livre arbítrio, por que não respeitaremos o dos outros?

O orgulho pode se manifestar de diversas maneiras, das mais ostensivas às mais disfarçadas.  Como quem se autoelogia não é bem visto socialmente, a maioria das pessoas tenta disfarçar ao máximo esse seu traço de autoadmiração excessiva, o que dificulta ainda mais o combate ao orgulho – orgulhoso, eu? 

Na realidade, a maioria das pessoas tende a disfarçar ou mesmo ignorar seus defeitos de forma geral, só assumindo aqueles que são menos “malvistos” – preguiça, gula, vícios inofensivos, ou então o “perfeccionismo”, tão popular hoje em dia.  Disfarçar seus defeitos, não assumi-los no momento adequado, é um dos sintomas disfarçados de orgulho.

O orgulhoso tem sempre que ter razão em tudo.  Em geral, ele não admite que alguém possa estar certo e ele errado em nenhum aspecto que ele julgue relevante, se envolvendo com frequência em discussões e disputas totalmente inúteis, para saber quem está certo e quem está errado – quando ele discute com outro orgulhoso, muitas vezes esse processo se alonga por horas, dias, meses, sem nenhum resultado edificante, e com imenso desgaste – aquela batalha interminável em que todos os envolvidos perdem muito mais que ganham. 

Mas, mesmo nesse caso, uma coisa pode-se ganhar: uma valiosa lição do que não fazer, de como certos conflitos são inúteis e desgastantes, sem justificativa para sua existência.  Nesses casos, basta mudar de atitude, deixar de lado o “jogo” de oposição, que naturalmente o conflito se esvai, e você se livra de um “fardo” imenso e inútil.  Se você está passando por algum processo desses, experimente tomar a iniciativa (ou não tomar, se for o caso), e mude – você provavelmente perceberá uma mudança radical e quase imediata no “oponente”, e tudo se atenua. 

Além disso, devo observar que o caminho da Reintegração Divina não é um caminho de acertos constantes, nem um caminho de certezas, ele é cheio de dúvidas e erros, que são excelentes oportunidades de tomarmos consciência de verdades importantes, e alterarmos nossos pensamentos e ações para nos aproximarmos de Deus, em harmonia com o Amor Divino – afinal, sem dúvidas e erros, dificilmente saímos do lugar.  A visão mística considera o erro, a dúvida, como ótimas oportunidades para se avançar de forma efetiva no caminho da Reintegração.

Outro aspecto relevante da pessoa orgulhosa é que ela busca sempre a confirmação de suas qualidades, tendo necessidade cada vez maior de elogios, aprovações, reconhecimentos, que nunca são suficientes.  A pessoa se sente injustiçada, pouco reconhecida, desvalorizada, sempre que recebe alguma crítica ou não recebe os elogios adequados.  A pessoa orgulhosa sempre leva a crítica para o lado pessoal, buscando minimizá-la, rebatê-la, ou em casos mais extremos, desqualificar o crítico.

Temos que perceber e nos conscientizar de que nossa essência, nossa dignidade básica, é sempre divina, não havendo motivo para pensar que, se não recebermos o reconhecimento dos outros, estaremos em situação pior que a de outros que são “aclamados”, “famosos” ou “endeusados”. 

Mas o fato é que o ser humano, em geral, tem essa carência básica de reconhecimento, que é manipulada inúmeras vezes pelas pessoas à nossa volta, para que possamos fazer o que elas querem.  Devo frisar que essa “manipulação” pode ser positiva ou negativa, dependendo-se dos objetivos e intenções envolvidos – no caso da educação infantil, por exemplo, pode ser um instrumento muito saudável de ajuste de comportamento, muito melhor que métodos mais violentos ou agressivos.

Como combater essa carência básica, que nos deixa muitas vezes sem vontade própria, ou sem discernimento para tomas as decisões mais saudáveis para nós e para os outros à nossa volta?  Harmonizando-nos com o Amor Divino, que supre todas as carências, da melhor forma possível.  Existem diversas formas de se harmonizar: oração, meditação, auxílio altruísta, trabalho produtivo, diversão harmoniosa, contato com a natureza, dentre outras.

Esse processo de harmonização, que faz parte da caminhada da Reintegração Divina, necessariamente tem que enfrentar o orgulho, tem que lidar com essa questão de forma profunda.  E a melhor maneira de lidar com ele não é combatê-lo como um inimigo, ou considerá-lo um lado feio que deve ser escondido, e sim transformá-lo em algo positivo, conforme detalharemos ao final deste texto.




Agora vamos falar da ira, ou suas variações: raiva, rancor, mágoa, ódio, fúria.  A ira, na realidade, é uma degeneração da razão e do respeito ao próximo.  Enquanto mantivermos a razão harmonizada com o Amor Divino, a ira não tem vez, qualquer que seja a situação presente.  Enquanto respeitamos o outro com sua singularidade, e não o consideramos um inimigo ou adversário, e sim um companheiro de jornada com sua maneira única de ser e pensar, não há como ter raiva de ninguém.

A ira, na realidade, é mais uma consequência das ilusões básicas em que normalmente vivemos.  Inicialmente, nos consideramos separados dos outros, o que leva à perspectiva egoísta.  Posteriormente, pensamos ter necessidades não satisfeitas, por estarmos isolados da fonte de tudo e buscamos então satisfazê-las.  Esta ilusão da separação pode ser útil em diversos momentos, mas em essência é uma ilusão, que pode nos prejudicar muito em outros momentos. 

Daí, elegemos aspectos materiais e/ou imateriais que consideramos essenciais para nós, dos quais não abrimos mão, que ajudam a compor nossa identidade objetiva, sendo parte de nossa individualidade – é o processo de identificação, muito importante durante nosso desenvolvimento psicológico, mas que, depois que atingimos a maturidade, torna-se contraproducente.  E, sempre que pensamos estar ameaçados ou não satisfeitos em cada um desses aspectos, podemos reagir de forma egoísta, orgulhosa, e, se nada afastar a ameaça ilusória, de forma violenta.

Sendo assim, a violência é essencialmente uma forma de defesa, e não de ataque, pois achamos que algo ou alguém está nos ameaçando em algum aspecto, ameaçando nossas propriedades, nossa reputação, nossos direitos básicos, nossa opinião (que deve sempre ou quase sempre prevalecer, numa perspectiva orgulhosa), nossos interesses, nosso modo de vida – em suma, aquilo que ilusoriamente nós costumamos identificar com nosso ser, e que na essência não o é.

E então sentimo-nos como que feridos em algo que, para nós, é parte importante de nosso ser, e a reação natural é reagir, ferindo o agressor.  Deve-se notar que a violência é um processo contínuo, que vai crescendo à medida que a dinâmica de conflito se estabelece.  No início, são olhares de reprovação, gestos de repúdio, daí vêm as palavras ofensivas, até que, persistindo a “ameaça”, pode-se partir para a agressão física, que pode resultar, em última análise, na morte do “oponente”.

A ira é, então, um processo que segue um círculo vicioso, cada vez mais intenso, envolvendo energias muito fortes e dissonantes – essas energias realmente se opõem ao Amor Divino, em um tremendo esforço em “fazer sombra” à Luz Divina. 

Esse esforço consome imensamente nossas energias, e naturalmente é inócuo no longo prazo, funcionando somente em um contexto limitado no tempo e no espaço – um dia a Luz Maior brilhará, isso é certo.  Infelizmente, muitas pessoas passam boa parte de suas vidas envolvidas nesses círculos de ira, tentando o impossível – se afastar do Amor Divino.

Esse processo violento pode ser bem rápido – como nos acesso de fúria, ás vezes inexplicáveis, ou nas brigas violentas, muitas vezes por motivos fúteis – ou mais duradouro, no que chamamos de rancor ou mágoa, que pode gerar o sentimento de vingança.

Na forma rápida, ocorre uma explosão, intensa mas momentânea, e a razão praticamente não é envolvida, consistindo basicamente em uma explosão emocional, muito ruim em si, mas com efeitos mais limitados.  Deve-se notar que esse tipo de agressão é comum na natureza, entre os animais em geral.  E também pode-se dizer que, com frequência, após um tempo decorrido, a razão retorna, os envolvidos “caem em si”, e têm condição de atenuar os efeitos da violência – que é sempre a atitude mais sábia após uma explosão dessas.

Na forma duradoura de ira, o agente não realiza imediatamente a agressão, mas se mantém mobilizado pela energia da ira, na fora de rancor ou mágoa, remoendo a situação e buscando razões concretas ou abstratas para alimentar essas energias e o desejo de vingança. 

Nesse caso, razão e emoção se juntam, governadas pela ira, e aí o efeito dessa energia pode ser bem mais devastador – pode-se chegar, não somente à morte do oponente, mas a verdadeiras calamidades públicas: chacinas, guerras, genocídios, crime organizado, tudo que a criatividade humana pode permitir. 

Essa modalidade de ira é exclusiva de um ser consciente – em nosso planeta, somente o homem tem capacidade para “alimentar” a ira nesse grau.  Esse tipo “crônico” de ira, motivo de ódios duradouros entre povos e grupos diversos, naturalmente é o mais pernicioso. 

A energia da ira pode ter efeitos devastadores sobre nossa saúde nos aspectos físico e mental, além de nos deixar bem distantes do Amor Divino, por nossa própria escolha – como se preferíssemos as “fortes emoções” associadas à ira e abríssemos mão de energias que nos harmonizem.

Por outro lado, a ira, por ser uma das energias dissonantes mais facilmente identificáveis – é muito difícil disfarçá-la ou dissimulá-la para si mesmo ou para os outros – é uma das que melhor pode ser atenuada utilizando o método místico de “reconhecer e transformar”, método este extremamente poderoso.

Neste método, que pode ser aplicado a qualquer energia dissonante, a qualquer obstáculo em nossa caminhada, devemos assumir alguma atitude violenta que tenhamos cometido e tentar perceber o motivo básico da ira naquela situação – mas o que me descontrolou daquele jeito?  Por que agi dessa forma grosseira?  Por que alimentei o rancor e desejei vingança? 

Daí serão identificados os elementos de orgulho e egoísmo que, via de regra, são os responsáveis por aquela explosão ou atitude rancorosa.  A seguir, basta usar a criatividade e pensar em alternativas não violentas para lidar com a situação – elas sempre existem, e normalmente são muito mais eficazes.  É a fase da “transformação”.

Essas alternativas poderão incluir um eventual pedido de desculpas, reconhecendo sua parcela de culpa na situação – pois uma coisa é certa: quando um não quer, dois não brigam, há sempre algo que você poderia ter feito para evitar o desfecho violento.  Além disso, pode incluir alguma atitude compensadora para atenuar ou eliminar os efeitos do ato violento. 

Mas, mesmo que nada disso seja possível no caso concreto – por exemplo, quando a violência resultou na morte do “oponente” – deverá pelo menos haver uma autocrítica, seguida de efetiva mudança de comportamento, de forma a evitar que futuros episódios similares ocorram. 
A visualização criativa pode ajudar bastante nesse processo – basta imaginar-se em um contexto similar com um comportamento diferente, construtivo, e visualizar a harmonia gerada por essa atitude.  Esse exercício simples pode, no longo prazo, operar verdadeiros milagres.  Devo notar que não existe nada que não possa ser transformado, em si ou nos outros, e que mudanças positivas de comportamento sempre afetam os que estão à nossa volta, de forma positiva, em um círculo virtuoso que anula o círculo vicioso da violência. 

Devo dizer que mesmo que a violência tenha sido usada para se defender de uma outra violência, aparentemente gratuita, mesmo nesse caso há alguma atitude sua que pode ser modificada, para que se evite a violência alheia.  Nesse caso, a pergunta mais relevante seria: mas o que fez ele se descontrolar comigo?  O que em minha atitude o fez se sentir ameaçado?  Como posso mostrar a ele que não sou uma ameaça?  Caso nada disso seja efetivo, como posso me afastar dessa “fonte de perigo”?

Sendo assim, posso afirmar que os episódios de ira em nossa vida podem ser grandes oportunidades de avaliação e mudança de comportamento, podendo dar origem a grandes passos no caminho da reintegração – muitas vezes são o início de uma harmonização de várias outras energias dissonantes. 

Deve-se notar que todos os locais onde ocorreram grandes tragédias de violência “aguda” – campos de concentração, Hiroshima, torres gêmeas –se tornam locais de peregrinação, em que as pessoas se reúnem para pensar na paz e exaltar a importância da paz para a humanidade.  Parece que, onde houve trevas de violência e intolerância, agora brilha a luz do Amor Divino – até porque, no longo prazo, o Amor Divino sempre prevalece.

Um episódio de violência pode ser uma chance de transformações profundas nos pensamentos e ações dos envolvidos, vítimas e algozes.  Que possamos ajudar a humanidade nesse processo, começando por plantar a paz dentro de nós mesmos.

Saudações fraternas.

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