quinta-feira, 8 de maio de 2014

A Responsabilidade de Fazer o Bem



Saudações a todos,

No post passado discorri sobre diversas práticas místicas, desde as mais populares – oráculos e horóscopos, por exemplo – até práticas mais restritas, tidas como “milagrosas” – telepatia e clarividência, por exemplo.  Foi um post bem extenso, e por isso não tive oportunidade de aprofundar um tema essencial para qualquer prática mística: as responsabilidades éticas de um místico.

Vou tratar agora do tema de “fazer o bem”, sob a ótica da visão mística.  Falarei também sobre a “regra de ouro”, tão citada em diversas religiões e tradições místicas, que tem duas formas: a reativa – “não fazer aos outros o que não gostaria que fizessem a você” e a proativa – “fazer aos outros o que gostaria que fizessem a você”. 

Para começar, devo invocar o Princípio da Unidade para lembrar que, conforme a visão mística, somos todos interligados por uma essência única, que podemos chamar de Deus.  Além disso, pela Lei da Causa e Efeito, todos os nossos atos têm algum tipo de consequência, conforme o grau de harmonização dos mesmos com o Amor Divino.  Combinando essas ideias, podemos facilmente concluir que o místico tem uma imensa responsabilidade sobre seus atos, por ter consciência clara de suas consequências.

O místico tem a consciência de que sua existência tem um objetivo claro – a Reintegração Divina – e que ele pode e deve, por meio de pensamentos e palavras, mas principalmente por meio de ações, ser um sujeito ativo nessa Reintegração.  Imagine você que todas as suas ações realmente fazem diferença no mundo, e que podem se harmonizar com as de outras pessoas ao redor do mundo, criando um círculo virtuoso para efetuar uma transformação positiva para todos.  Imaginou?  Pois é essa a visão mística sobre a nossa vida, sobre a vida de cada pessoa neste mundo.  E é dessa forma que um místico dedicado deve enxergar suas atitudes.

Tal concepção traz uma imensa responsabilidade para cada um de nós, visto que todos nossos pensamentos, palavras e ações são relevantes para todos, e efetivamente podem ajudar a evolução da humanidade.  Assim, devemos ter cuidado em cada passo que damos em nossa vida, buscando sempre o bem e a harmonia com todos, na medida do possível.  Essa sensação básica de “pertencimento a algo maior”, de “interligação geral entre todos” é fundamental para a visão mística – um místico realmente aplicado tem que ter essa consciência “integrada” do universo, coerente com o Princípio da Unidade.

Reforçando essa ideia, a questão básica é que, se somos todos unidos em essência, tudo que ocorre no mundo diz respeito a você de alguma forma.  Por exemplo, uma tragédia em um país distante deve mobilizar suas energias, para que, em pensamento, vontade e ação, você se empenhe no que for possível para aliviar a dor daquelas pessoas, por mais distantes que estejam.  Pela visão mística, sempre há algo a seu alcance, no mínimo um auxílio espiritual, ou seja, um momento de meditação e harmonização em que você se recolha e passe as melhores energias para aquelas pessoas, usando a visualização criativa para melhorar aquela situação.

Da mesma forma, uma pessoa que pede esmola em seu caminho deve mobilizar suas energias também, de forma que você dê o tratamento que, a seu critério, seja adequado para ajudá-la em sua situação.  Tal tratamento pode ser, inclusive, o de negar a esmola, por entender que aquela pessoa deve buscar outros caminhos para seu desenvolvimento – em especial no caso de crianças, em que dar a esmola pode ter efeitos muito negativos na formação de sua personalidade.  Mas o que não deve haver é a indiferença, pois, conforme a visão mística, você está interligado a todas as pessoas, inclusive o mais miserável mendigo de sua cidade – não se deve vê-lo como um ser distante e desagradável, mas sim como um irmão que passa necessidade.  Assim, nem que seja um pensamento positivo, algo sempre pode ser feito em favor de quem pede ajuda.

Outro ponto relevante diz respeito a seus familiares.  Em geral, há alguns membros de nossa família que parecem estar sempre “testando” nossas virtudes, pois vivem nos provocando e tentando explorar nossos “pontos fracos” que eles conhecem em função do longo convívio.  Infelizmente, as famílias em geral são ambientes em que há muitas manipulações, invejas, grosserias, agressões de diversos tipos, que refletem os desequilíbrios e desarmonias com os quais a maioria das pessoas está envolvida.

Logicamente, conforme a visão mística, devemos desenvolver uma atitude harmoniosa, na medida do possível, com esses familiares “problemáticos”, tendo a paciência necessária para conviver com eles e tratá-los de forma educada, por mais deseducados que eles sejam.  Afinal, não se deve entrar em uma disputa de ofensas ou de agressões, pois tal disputa gera um círculo vicioso que pode assumir grandes proporções, com consequências ruins para todos.  Devemos exercitar a arte de escapar dessas armadilhas de convivência, e não nos deixarmos manipular por tais pessoas.

Por isso, é importante a atitude de “dar a outra face” diante de atitudes hostis e violentas que fizerem contra nós.  E o que significa isso?  Não é assumir uma posição subserviente e passiva, deixando que se abuse à vontade de sua boa vontade, e sim responder ativamente á provocação ou violência de uma forma diferente, sem pagar na mesma moeda, rompendo com a Lei de Talião – “olho por olho, dente por dente”. 

Por exemplo, se alguém questionar suas qualidades, com afirmações mentirosas e humilhantes diante de outras pessoas, a resposta deve ser firme e imediata, mas não violenta – pode-se questionar a veracidade ou a verdadeira intenção das críticas, sem entrar em seu mérito (a não ser que sejam ofensas graves que exijam uma explicação imediata).  Respostas do tipo: “por que essa hostilidade comigo?”, “você tem andado nervoso, o que há com você?”, “você tem certeza do que está afirmando?” ajudam a mudar o foco da questão e a atenção de todos para o ofensor, e não o ofendido.

Se alguém vier agredindo você, fisicamente, a melhor resposta a ser dada é a utilização de alguma arte marcial oriental.  Tais artes se especializaram em técnicas para contenção de violência e autodefesa, usando a energia necessária para neutralizar o ataque, sem causar maiores danos ao agressor.  Deve-se notar que muitas dessas artes marciais estão associadas a uma visão mística da vida, e dão muita importância ao desenvolvimento “espiritual” de seus alunos, com práticas associadas de meditação e respiração especial.  Claro que, se alguém vier ameaçando você com arma de fogo, fica difícil qualquer reação positiva de sua parte, e cabe a você tentar manter o controle seu e do agressor, para evitar maiores consequências – evitando sentir raiva do agressor, pois a raiva se reforça mutuamente.  Em suma, sempre há o que fazer para minimizar a violência alheia contra você.

Em suma, caso ataquem você, física ou moralmente, é seu dever se defender, mas nunca responder à violência de forma desmedida, fomentando mais violência, em uma escalada de vinganças mútuas, que só trazem prejuízos a todos os envolvidos.  Em muitos momentos, quando o assunto não for relevante para você ou para alguém querido a você, o silêncio é a melhor resposta – melhor engolir em silêncio uma ofensa irrelevante do que iniciar uma escalada de conflitos inúteis.  De forma geral, deve-se pensar antes de se envolver em qualquer conflito – se a cabeça estiver quente, pare, respire, conte até 10, 20 ou 30, respire de novo, evite agir no calor do momento, a contenção individual é preciosa para a caminhada mística, pode nos poupar de muitos desperdícios de energia e aborrecimentos inúteis.

Deve-se sempre lembrar do Princípio da Unidade, e perceber que, sempre que ofendo ou sou violento contra alguém, há um reflexo dessa hostilidade em mim mesmo.  Se somos todos unos em essência, quem será a única pessoa atingida por minhas agressões?  E quem será a única beneficiada com meus auxílios?  Se alguém me ofende, vou então “reforçar” essa ofensa revidando-a, o que me atingirá duplamente?  Ou seria melhor responder com gentileza, e neutralizar os efeitos ruins da ofensa?  Vale a pena pensar nessas questões.  De qualquer forma, voltarei a esse tema nesse post, quando aprofundar a questão do “fazer o bem” do ponto de vista místico.

Depois de explicar melhor o princípio místico de “dar a outra face”, que também pode ser expresso como “responder o mal com o bem”, vou agora falar da “regra de ouro”, presente em diversos códigos morais e religiosos.  Essa regra, tão antiga e popular, pode ser encontrada em duas versões, reativa e proativa, que, embora muito semelhantes, apresentam algumas diferenças.

Vou começar pela versão reativa: “não fazer aos outros o que não quer que façam a você”.  Essa versão foi popularizada por Confúcio, há mais de 2.500 anos atrás, e representa um corolário do Princípio da Unidade: se somos um só em essência, devo evitar agredir a mim mesmo, não fazendo a outra pessoa o que considero inaceitável que fizessem comigo – até porque essa outra pessoa tem algo essencial em comum comigo, e o que ela sentir eu estarei também sentindo em alguma medida.  Na realidade, essa regra é resultado do instinto de autopreservação, associado ao Princípio da Unidade.

Uma forma simples de aplicar essa lei, no dia a dia, é sempre ter em mente, antes de fazer qualquer coisa a alguém: “eu gostaria de estar em seu lugar?”, ou então “e se fosse comigo, eu ficaria satisfeito?”

Para se ter tais questões sempre em mente, é necessário desenvolver uma habilidade social fundamental: a empatia, ou seja, a capacidade de se colocar no lugar de outra pessoa.  Nem todos têm essa habilidade desenvolvida, e normalmente tais pessoas são consideradas com “pouco traquejo social”.  È uma habilidade que requer vontade e prática para ser amadurecida, leva um bom tempo para isso.  Crianças pequenas, em geral, têm muito pouca empatia, o que gera inúmeros conflitos tolos e desnecessários – mas isso é parte do processo de desenvolvimento infantil.  A partir de uma certa idade, ela começa a se integrar socialmente, desenvolvendo a empatia.

Ocorre que, no mundo atual, as pessoas têm grandes estímulos a terem uma vida “independente”, em um estilo individualista de ser, centrado em seus próprios interesses.  Tal postura diminui as chances de se desenvolver a empatia, de fazer esse exercício imaginário de se colocar no lugar do outro – tal exercício requer esforço e disposição. 

A empatia somente pode ser adequadamente desenvolvida quando estamos devidamente conscientes e motivados quanto á importância de desenvolvê-la.  Se não dermos valor ao ponto de vista alheio – “eu sei o que é melhor para mim e dane-se os outros”, ou então, “o mundo é uma selva e cada um que cuide de si” – será muito difícil desenvolver essa importante capacidade.

Agora devo falar da forma proativa da regra de ouro, que exige um pouco mais dos envolvidos: “fazer aos outros o que gostaria que fizessem a você”.  Na realidade, esta forma é muito parecida com a da versão reativa, exigindo empatia de cada um, mas em um grau mais “avançado”.  Na realidade, essa versão é uma evolução natural da outra. 

Quando desenvolvemos nossa empatia, inicialmente passamos a evitar aquelas situações em que, involuntariamente, ofendemos ou hostilizamos alguém, por simplesmente não perceber qual era o seu ponto de vista.  À medida que desenvolvemos nossa capacidade de perceber o olhar do outro, tomamos consciência do quanto as pessoas a nossa volta sofrem e precisam de ajuda, que muitas vezes está ao nosso alcance.  Daí vem, por conclusão lógica, que, se eu não gostaria que as pessoas me vissem sofrer sem fazer nada, também não posso ficar omisso diante do sofrimento alheio. 

Mas tal questão não é somente lógica ou racional, pois a empatia, quando bastante desenvolvida, traz um sentimento natural de solidariedade.  Quando enxergamos melhor as outras pessoas, vemos o quanto elas têm dúvidas e fraquezas, tal qual nós mesmos, e a identificação é quase automática.  Assim, por uma questão emocional, principalmente, passamos a ativamente buscar ser úteis aos outros. 

Outra qualidade associada à regra de ouro, sendo um verdadeiro pré-requisito para se ter empatia, é a sensibilidade.  Atualmente, é muito valorizado o comportamento racional, equilibrado, imperturbável, mas a felicidade não vem da razão pura, e sim de uma harmoniosa combinação de razão, emoção, percepção e intuição, os quatro atributos básicos de nossa mente.  Assim, devemos ouvir nosso coração e sermos sensíveis diante do sofrimento alheio, buscando ser solidários e fazer o que estiver a nosso alcance para evitar ou aliviar tal situação. 

Sensibilidade exige atenção, disponibilidade, interesse nas outras pessoas, no que elas pensam, sentem, dizem e fazem.  Algumas pessoas têm maior facilidade de relacionamento, que pode ser definida como “inteligência emocional”, e outras têm maior dificuldade de perceber a outra pessoa, com suas características e reações únicas. 

Para alguns, todas as pessoas deveriam sempre pensar e agir como elas próprias pensariam ou agiriam em cada situação, e, se não o fazem assim, é porque são estúpidas, ignorantes ou esquisitas.  Para outras pessoas, ouvir e prestar atenção aos outros é extremamente chato, pois os outros têm inúmeras ideias, palavras e atitudes estúpidas e irracionais (como se nunca errássemos também).  Trata-se de pessoas com dificuldades de relacionamento, originadas de sua concepção de mundo e de como elas enxergam os outros, como “estranhos”, ou mesmo “inimigos”.

Muitos têm medo de olhar para si próprios e verem suas próprias limitações e irracionalidades, seus próprios desequilíbrios e pequenas loucuras do dia a dia – que todos temos, sem exceção.  E com isso, se negam a perceber de forma equilibrada o que os incomodam nas outras pessoas – já que provavelmente aquilo é uma característica presente em si próprios, mas que eles não querem admitir.  Daí perdem chances preciosas de autoconhecimento e aperfeiçoamento interior, já que o primeiro passo para resolver um problema ou corrigir um vício é admitir que ele existe. 

Mas não devemos nos preocupar com isso, pois o universo sempre nos dará outra chance, e outra, e aqueles “caras chatos” vão continuar mostrando a nós aquele aspecto desagradável “deles”, até que tomemos consciência e tratemos do que é necessário tratar em nós mesmos.  Então, “milagrosamente”, aquela situação desagradável deixa de ocorrer.  Em suma, sempre haverá tempo para corrigir algo que não está bem em nós.

Assim, podemos considerar que um místico realmente comprometido com a caminhada da Reintegração Divina, que tem em sua consciência o Princípio da Unidade, busca desenvolver a atenção a outras pessoas, de forma sensível e solidária, com a devida empatia em qualquer situação relevante. 

Este místico não tem medo de encontrar alguém desagradável, que o provoque ou o ofenda, pois sabe, conscientemente, que o universo funciona como um grande “espelho” que reflete a nós as características que precisamos aprimorar.  Assim, em qualquer encontro desses, o místico busca sempre responder da forma mais harmônica possível, defendendo-se no que for estritamente necessário, e dando um exemplo de compreensão e amor para todos.  E, como consequência dessas atitudes, o místico segue a regra de ouro, nas formas reativa e proativa. 



Agora vou falar com mais detalhes da questão do “fazer o bem”, tão importante para qualquer místico dedicado.  A visão mística não considera que devemos fazer o bem simplesmente por uma questão moral e ética, ou apenas como um componente importante para garantir a vida em sociedade – caso todos se dediquem a prejudicar-se mutuamente, a sociedade se desmancharia, nem é muito difícil imaginar o porquê.

Na realidade, a visão mística defende que todos devemos fazer o bem por uma série de motivos, que podem ser resumidos como: “devemos fazer o bem porque é o melhor para todos, de forma coletiva e individual”.

A princípio, é óbvio afirmar que a ação individual para o bem comum tem reflexos positivos na coletividade.  Mas mesmo assim, vale lembrar que, quando existe um ambiente de honestidade, integridade e confiança mútua, as pessoas podem direcionar seus esforços para objetivos produtivos, sendo mais motivadas e felizes.  Caso contrário, há uma dissipação de esforços em mecanismos de controle mútuos, em que todos devem tomar conta de todos, para não serem enganados ou “passados para trás”. 

Estudos atuais de teoria das organizações comprovam que, em ambientes com grande concentração de pessoas não comprometidas com o “bem comum”, a eficiência é reduzida.  E eu acrescento que não só a eficiência, mas a motivação para ser produtivo e a felicidade dos membros daquela comunidade decrescem grandemente, em função da ocorrência de muitas situações “injustas”, em que alguns manipulam os esforços de outros a seu favor.

A questão menos óbvia diz respeito ao benefício individual de agir buscando o bem comum.  Para contrapor essa ideia, podemos pensar em uma situação “ganha-perde”, em que você, com a melhor das intenções, abre mão de algum direito, ou cede em uma negociação, contando que a outra parte também terá a mesma atitude, ou as mesmas motivações, mas ela simplesmente se aproveita de sua boa vontade, lucrando com sua “inocência” – assim, ela ganha e você perde. 

Tais situações são muito frequentes, e envolvem um descompasso de atitudes: uma das partes está buscando colaborar para o bem comum, enquanto a outra quer o melhor para si próprio, em uma atitude competitiva exclusivista – “só eu posso me dar bem”.  Neste caso, como perceber o benefício individual de se fazer o bem?

Bem, nesse ponto a ciência moderna e a visão mística discordam radicalmente.  Enquanto a moderna teoria dos jogos considera uma insensatez ter uma atitude colaborativa com quem está somente querendo tirar qualquer vantagem da situação, a visão mística considera que existe uma energia sutil mais poderosa, o Amor Divino, que sempre promove a devida justiça e equilíbrio às relações humanas, no seu devido tempo, considerando todo o contexto envolvido.  E que, graças a esse mecanismo sutil de equilíbrio, o melhor a se fazer, no meu ponto de vista, em qualquer situação, é ser colaborativo, é visar o bem comum.  Além disso, se invocarmos o Princípio da Unidade, como já visto neste post, podemos concluir que tudo o que fizermos aos outros terá efeitos em nós mesmos.

Isso somente é válido no longo prazo, no contexto geral, e não para uma situação específica, em que você, efetivamente, pode perder bastante com uma atitude colaborativa – conforme a visão mística, isso é válido “acima do tempo e do espaço”.  Em outras palavras, podemos dizer que, em muitas ocasiões “levamos a pior” agindo de forma “inocente” diante de uma pessoa egoísta e competitiva, que leva vantagem imediata.  Mas o Amor Divino certamente agirá, por meio de diversas pessoas e situações, para reestabelecer o equilíbrio da relação, ou seja, para compensá-lo de sua perda e reduzir ou anular o ganho do egoísta. 

Só que essa “compensação divina” somente ocorre caso não fiquemos revoltados após o insucesso, nem queiramos vingança ou algo parecido.  Em suma, não poderemos reagir de forma egoísta e competitiva, pois nesse caso entraremos na vibração do outro, e aí o equilíbrio estará feito pela própria dinâmica das reações de ambos, sem maiores compensações.  Nesse caso, teremos o início de um círculo vicioso, com ambos competindo para ver quem é mais egoísta e quem prejudica mais o outro, e ambos sairão derrotados – é a situação “perde-perde”.  De forma geral, podemos inferir que toda situação “ganha-perde”, se for encarada de forma egoísta por ambas as partes, evoluirá fatalmente para uma situação “perde-perde”.

Assim, quando fazemos o bem e recebemos em retorno ingratidão ou agressões oportunistas, devemos prosseguir em nossa energia “elevada”, evitando revoltas, reconhecendo que as pessoas agem dessa forma, na maioria das vezes, por ignorarem as maravilhas de querer e fazer o bem.  Sei que isso pode parecer muito difícil ou até fantasioso, mas é possível sim revidar o mal com o bem, revidar a ingratidão com mais atenção, basta praticar, e se manter harmonizado com o Amor Divino, por meio de orações e meditações cotidianas – essa é a “arte mística de viver”, que um místico aplicado acaba dominando com o tempo.

Naturalmente, isso não é nenhuma defesa do sofrimento por si, ou de algum tipo de masoquismo.  Em certas situações mais radicais, pode ser necessário se afastar de alguém que somente se aproveita de sua boa vontade, ou bloquear suas intenções de alguma forma efetiva.  O místico deve saber se defender também, mas sem ressentimentos, entendendo que todas as situações desagradáveis pelas quais ele passa são necessárias em nossa caminhada rumo á Reintegração Divina.

Se você experimentar manter uma atitude proativa para o bem, com convicção e consciência de que é o melhor a ser feito, as recompensas certamente virão, e os episódios de ingratidão e desequilíbrio se tornarão cada vez mais raros – o que mais estimula alguém a ser bondoso e caridoso é receber o mesmo de alguém, de forma desinteressada.

Vou aproveitar a palavra “desinteressada” para frisar, como já dito em outros posts, que, do ponto de vista místico, a ação para o bem tem valor total se a realizamos de forma desinteressada – “fazer o bem pelo amor ao bom”.  Existem outras motivações para tais ações, que reduzem imensamente seu valor místico: fazer o bem para não ser castigado, ou fazer o bem para obter algum benefício em troca. 

Recomendo que experimentem fazer uma “boa ação” hoje, espontaneamente (sem que lhe peçam), sem esperar nada de volta – pode ser algo pequeno, quase insignificante até.  E curtam o prazer que acompanha tal gesto.

Um místico realmente aplicado não é motivado pelo medo, por saber que ele já tem em si mesmo tudo o que precisa para ser feliz, e não se interessa por recompensas – inclusive, no auxílio espiritual, pode-se ajudar o outro sem que este sequer saiba que está sendo ajudado.  Essas duas motivações, embora muito frequentes no mundo em geral, são consideradas as mais primitivas, pela visão mística, pois espelham uma visão de trocas materiais, em que se comercializam valores que não são mensuráveis financeiramente, ou simplesmente se prioriza a sobrevivência, a integridade física ou o conforto material.

Conforme a visão mística, os valores devem ser considerados em sua devida dimensão – tem mais valor o que é mais essencial a nossa felicidade.  Assim, o que é mais valioso, um imóvel luxuoso ou nossa paz interior?  Um bem de alto valor ou uma boa amizade?  Um grande emprego ou o encargo de criar seus filhos?  Pela visão mística, não há como se quantificar ou negociar certos valores, por serem absolutamente essenciais à nossa felicidade.  Vamos a alguns exemplos de valores “supremos”:
- Paz interior
- Amor conjugal
- Amizade e fraternidade
- Bom relacionamento com pais e filhos, com a família em geral
- Segurança em relação à própria vida e à de pessoas queridas
- Capacidade de buscar melhorias em sua vida – igualdade de oportunidades
- Condição de trabalhar em prol da sociedade – realização profissional
- Liberdade de pensamento, vontade e ação
- Dignidade no sentido material (condição mínima de vida) e imaterial (respeito à sua condição de cidadão)
- Possibilidade de opinar e influenciar os destinos de sua comunidade
- Consciência de seus direitos e deveres
- Possibilidade de auxílio aos demais

Esses valores acima, dentre outros, não podem ser objeto de barganha, devem ser considerados elementos fundamentais para a busca da felicidade individual e coletiva, na caminhada da Reintegração Divina de toda a humanidade.  Assim, o místico dedicado busca, em seu dia a dia, se alinhar a esses valores em pensamento, vontade e ação, sem que ninguém o obrigue ou ameace, ou sem esperar nenhuma recompensa por isso – ele pensa, fala e age dessa forma porque é assim que ele considera correto, e ele está sempre aberto e flexível a rever seus conceitos, se perceber que alguma atitude sua não está coerente com tais valores “supremos”.

Deve-se notar que esses valores acima descritos não são uma lista rígida ou exaustiva.  Eles podem e devem ser objeto de questionamentos e discussões, já que existem inúmeras formas de se atingir a felicidade.  Naturalmente, devem ser valores alinhados com o Amor Divino, mas existe uma pluralidade de formas de exercer na prática esse Amor.  Ao longo do tempo, umas formas são mais valorizadas que outras, o que enseja revisões nessa escala da valores “inegociáveis”.  Atualmente, por exemplo, os itens “liberdade de expressão”, “liberdade de orientação sexual”, “não discriminação” e “preservação ambiental” são muito mais valorizados que no passado recente, podendo ser inseridos nesse rol de valores fundamentais.

Assim, devemos pensar que um místico sempre obedece a um tipo de ética, uma ética comprometida com o Amor Divino.  De forma livre, ele percebe intuitivamente e racionalmente quais os pensamentos, palavras e atitudes que se coadunam com os valores fundamentais, com o Amor Divino, com o objetivo maior da Reintegração Divina.  E assim, busca caminhar, sempre fiel a sua própria consciência, a Deus, ao seu Eu mais elevado, sem nenhum outro interesse acima do de ser feliz, se harmonizando com Deus.

Convido a todos para buscarem essa vida virtuosa, essa conduta íntegra, com pensamentos puros, em equilíbrio e harmonia consigo mesmo, com os outros e com Deus.  Vocês verão que vale a pena, que um dos maiores prazeres da vida é a sensação de que estamos fazendo o possível para viver em paz, em harmonia, em amor.  Vivam esse prazer!

Saudações fraternas.

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