sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

O Ego Humano - Visão Mística


Saudações a todos,

Hoje vou falar de um elemento fundamental de nossa personalidade, responsável por nossa sobrevivência nesse mundo: o ego.  E vou falar sobre qual deve ser o papel do ego em nossa vida, conforme a visão mística.

Em alguns posts anteriores (em especial em “A Unidade Cósmica no Dia a Dia”) defino o conceito de “eu sensível”, que é a parcela de nosso ser que, após contínua interação com os outros e com o meio ambiente, passa a ter consciência e imagem próprias, confundindo-se com o nosso ser.  E esse é exatamente o que as pessoas chamam popularmente de “ego”, sendo este o termo que adoto nesse post.

Vou então conceituar melhor em que consiste nosso ego, ou eu sensível.  Trata-se da imagem consciente que temos de nós mesmos, desenvolvida em função das interações sociais e percepções que vamos colecionando desde o início de nossa vida.  De acordo com essa definição que estou adotando, eu poderia equiparar o ego à nossa subjetividade.

Para o desenvolvimento de nosso ego, é fundamental a presença da sociedade à nossa volta, pois qualquer ser humano que não conviva com seus semelhantes não consegue se tornar um ser minimamente civilizado, tal como definido por nós.  Há casos de pessoas que foram abandonadas em locais selvagens desde muito pequenas e simplesmente não tinham aspectos básicos da personalidade humana, tais como linguagem organizada, postura ereta ou quaisquer outros “hábitos civilizados”.

Assim, podemos concluir que, para a formação de nossa subjetividade, de nosso ego, é essencial o convívio com os outros, para permitir que possamos: (a) aprender, principalmente por imitação, como se comporta um ser humano; (b) saber o que os outros pensam de nós, o que é fundamental na formação de nossa autoimagem, e (c) estar exposto às vivências e interações sociais, que nos permitem experimentar as mais diversas emoções.

O outro elemento essencial à formação de nosso ego são nossas percepções, originadas de nossos cinco sentidos, por meio das quais percebemos o mundo à nossa volta.  O meio ambiente à nossa volta é muito relevante na formação de nossa visão de mundo, e da visão de nosso papel no mesmo, definindo nossas ideias a respeito de temas ligados ao conceito de escassez: riqueza, conforto, bens desejados, etc.  Essas questões são determinantes na formação de nossa individualidade.

A partir desses elementos básicos, desde a mais tenra idade vamos nos identificando com diversas percepções e comportamentos que observamos, passando a assumir diversos rótulos que nos autodefinem, no modelo “eu gosto de...”, “eu não gosto de...”, “eu penso que...”, “eu sinto que...”, “eu sou que nem ele”, “eu nunca faria como ele”, etc.  E o conjunto desses atributos forma nosso ego, nossa subjetividade, que, como sabemos, é diferente para cada pessoa, não se confundindo com a de mais ninguém. 

O processo de autoidentificação, como vimos, é essencial na formação de nosso ego, que tem duas principais funções em nossa vida: sobrevivência e afirmação perante as outras pessoas.  Não existe possibilidade de se viver sem cuidar de sua sobrevivência, e não se pode viver de forma saudável sem ser reconhecido pelos outros como um ser humano digno de respeito.  Assim, nosso ego vai-se desenvolvendo com o tempo, desde a mais tenra infância, e nos prepara para nos tornarmos adultos saudáveis, que conseguem viver com relativa autonomia e serem reconhecidos como pessoas merecedoras de condições dignas de vida.

De fato, todo o processo de desenvolvimento humano, desde a primeira infância até a adolescência, é marcado pela busca desses dois objetivos maiores: sobrevivência – que significa saúde, crescimento, maturidade física, maturidade sexual, qualificação para ter ocupação econômica, dentre outros – e reconhecimento – que significa base afetiva, inserção social, opiniões próprias, atitudes de afirmação pessoal, dentre outros.

Na primeira infância, o objetivo dominante é a sobrevivência, mas na adolescência a busca principal é pelo reconhecimento.  Daí, pode-se afirmar que existe uma hierarquia de necessidades – uma vez atendida a necessidade crucial de sobreviver, passa-se a demandar outras necessidades, também muito importantes, relacionadas a condições mínimas de dignidade e respeito.

Até atingirmos a adolescência, o nosso ego é simplesmente essencial, pois sem ele não atenderíamos a essas necessidades básicas, impedindo-nos de caminhar em direção a nossos desejos.

Devo observar, porém, que esse processo de desenvolvimento básico é muito longo nos seres humanos, que somente podem se considerar com alguma maturidade e autonomia material e emocional após os 20 anos de idade.  Somente a partir daí se inicia a idade adulta, e esse processo é bastante variável – muitas pessoas chegam aos 40 anos sem conseguir entrar na fase adulta.

Mesmo se considerarmos nossa maturidade aos 20 anos, esse é um tempo bem longo, em que já cristalizamos diversos elementos de identificação, formando uma visão de mundo própria.  Para muitos de nós, essa visão, baseada em observações práticas de nosso mundo, nos afirma que:
- Somos diferentes de Deus, somos separados d’Ele.  Deus é todo poderoso, e eu não posso quase nada.
- Somos limitados em vários sentidos – tempo, energia, capacidade física e mental.
- Estamos sujeitos, o tempo inteiro, a influências de forças muito poderosas, sem lógica aparente, que nos carregam para um lado e para o outro como um “furacão desgovernado”.
- A vida é uma sequência caótica de fatos que a cada momento podem mudar completamente nossa percepção e nosso estado de espírito – acidentes, imprevistos, obstáculos diversos.
- A vida é uma selva, em que somente o mais forte sobrevive, é cada um por si.
- Os recursos são escassos – se alguns têm demais, é porque outros têm de menos, e eu tenho que fazer parte do primeiro time.
- Entre os meus interesses e os dos outros, mesmo que esses “outros” sejam imensa maioria, vou cuidar somente dos meus – afinal, se eu não fizer isso, quem fará por mim?

E o fato é que 20 anos de vivências são mais que suficientes para fazer cristalizar em nós diversas convicções, que são verdadeiras ilusões, sempre alimentadas pelo nosso ego, que tem uma tendência praticamente irresistível a crescer de tamanho e importância em nossa vida. 

Na realidade, o ego é essencial para que possamos dar os passos iniciais para o autoconhecimento e para a Reintegração Divina, mas ele deve ter a medida certa.  E o que seria essa medida certa?  A suficiente para nos garantir a sobrevivência e o reconhecimento, necessários para termos saúde, sermos produtivos e termos relacionamentos construtivos, em suma, para vivermos de forma equilibrada. 

A partir desse tamanho ideal, qualquer influência do ego em nossa vida passa a ser exagerada, resultando no egocentrismo, ou egoísmo, que é um obstáculo muito importante em nosso caminho místico.  Para seguirmos de forma segura nesse caminho, é necessário que, ao chegarmos à maturidade, paremos com o crescimento do ego, de forma a cada vez mais reduzir sua relevância em nossas vidas, “abrindo mão” de tudo o que construímos.  Esse é o processo de “desapego do ego”, necessário para a evolução no caminho místico.

Pode parecer muito estranha essa perspectiva, mas faz sentido se encaramos a vida como uma simples etapa, que tem por finalidade essencial dar-nos a oportunidade de tornarmo-nos mais conscientes e unidos a Deus – melhor dizendo, Reintegrados a Ele.  E para isso é realmente necessário que deixemos de lado, pouco a pouco, tudo que nosso ego vê como o mais “precioso” em nós, que é a nossa própria identidade construída na juventude.

Um exemplo bem prático desse processo ocorre com muita frequência, que é a paternidade ou maternidade.  Ao sermos pais ou mães, aprendemos, por bem ou por mal, a abdicarmos de inúmeros desejos e características nossas por um bem maior – a sobrevivência, o reconhecimento, o conforto e a felicidade de nossos filhos.  Quando temos filhos, é como se deixássemos de ser o “José” ou a “Renata”, para sermos o “pai do Bruno” ou a “mãe da Julia”.  Nem pelo nome nos chamam mais!  A vida muda completamente, e para melhor.

E por que ter filhos, de forma geral, é uma experiência que nos dá tanta maturidade?  Porque, por meio dela, podemos iniciar nossa caminhada de retorno, abrindo mão de nossos caprichos, de nossos impulsos egoístas, para ajudar outra pessoa, para servir a algo maior.  Criar um filho ou filha nos possibilita precisamente esse processo de redução de ego tão importante para a nossa maturidade e nossa caminhada mística.

Outro exemplo, aplicável aos meninos, é o serviço militar obrigatório.  Antigamente, muitos pais ficavam orgulhosos ao ver o filho servindo, pois consideravam que, a partir daquela experiência, eles “aprendiam a ser homens” – e o sentido é o mesmo: abrir mão de caprichos egoístas em nome de uma causa maior. 

Não estou defendendo o militarismo, nem esse é o tema desse post, mas poderíamos ponderar qual seria o efeito positivo que trabalhos voluntários, de assistência social, teriam sobre os jovens em geral?  Algo como um “serviço civil”?  Não seria uma iniciativa que ajudaria no amadurecimento de uma geração?  Não auxiliaria a eles perceberem melhor a realidade onde vivem, a terem oportunidade de fazer algo concreto para mudar essa realidade?

Em suma, o processo de “amadurecimento” não termina ao atingirmos a idade adulta, ele somente muda de foco: em vez de nos esforçarmos para afirmar nossa singularidade, devemos passar a abrir mão da mesma, em nome de ideais maiores.  Entre o meu prazer momentâneo e o bem estar de minha família, comunidade, humanidade ou do planeta Terra, prefiro esses últimos, abrindo mão de impulsos egoístas.

Só que a afirmação de nossa singularidade é fundamental nesse processo, e na realidade ela nunca cessa, somente deixa de ser o foco principal – caso continue a ser, fica muito difícil avançar na senda mística, e a tendência é nos perdermos nas ilusões do egocentrismo e do narcisismo.  Da mesma forma, o desapego a nossa identidade pode-se manifestar desde cedo, mas não é possível exigir que esse seja o interesse principal da criança ou jovem.

Infelizmente, existem muitas pessoas, com talentos psíquicos muito desenvolvidos, capazes de realizar verdadeiras “proezas” com a força do pensamento, mas que ainda não se livraram do jugo da autoafirmação a qualquer custo, e então ficam se exibindo, mostrando a todos como são incríveis e especiais, ansiando pelos gritos de admiração, pelos aplausos, em caminhos totalmente desviados da verdadeira senda.  São verdadeiros “adolescentes espirituais”.  E muitos deles são carismáticos, e arrebatam adeptos que irão reproduzir seus caminhos tortuosos, em grande desserviço à caminhada mística.

Recapitulando, há um momento crucial em nossa caminhada, em que é necessário fazer uma inflexão, uma mudança de direção, em que precisamos começar a diminuir nosso ego, em vez de alimentá-lo ainda mais.  Dificilmente as pessoas conseguem fazer essa mudança de rumo espontaneamente.

E por que é tão difícil?  O principal motivo é o ego em si, que vai se criando, fortalecendo, ficando mais robusto e passa a ter “vida própria”, querendo ser alimentado o tempo todo a qualquer custo, em uma espécie de vício, uma “egomania”, que somente admite elogios, reforços, e que detesta qualquer contrariedade ou censura.  E o ego passa a ser o senhor do seu ser inteiro, sendo que todas as percepções, pensamentos e emoções passam a ser dirigidos por esse impulso forte e irresistível de querer se afirmar a qualquer custo, de querer “ganhar” a vida e “conseguir” algo externo a si, tal como “poder”, “dinheiro”, “reputação”, ou qualquer outro ídolo que se possa apontar.

Um parêntese: devo afirmar mais uma vez que não estamos aqui neste mundo para “ganhar” ou “conseguir” nada, já que temos nossa dignidade essencial perfeita, sendo manifestações mais ou menos conscientes da Presença Divina nesse mundo.  Tudo o que precisamos está em nós mesmos, em última análise, somos completos, nada nos falta, não há o que “conquistar”.   Devemos simplesmente “tomar consciência” do que já somos e já temos.  O resto é literalmente ilusão, alimentada pelo nosso ego.

Algumas palavras de ordem desse ego exagerado: “Não à repressão”, “É proibido proibir”, “Faz o que você quiser”, “Liberdade a qualquer preço”, “Eu sou muito autêntico”, “Eu nasci assim, sou assim mesmo, quem quiser que goste”.  Em geral, palavras bonitas a serviço de um reforço dos impulsos egoístas, que muitas vezes redundam em atos de desrespeito e falta de educação com os demais, e às vezes em atos francamente antissociais – como no caso extremo dos psicopatas.

Afinal, se cada um olhar somente para si próprio, ou colocar seu interesse próprio acima de qualquer outro, não admitindo ser contrariado, teremos a ruptura da sociedade – não há como estabelecer uma convivência saudável com as outras pessoas sem exercitar a arte da negociação, ou seja, sem abrir mão de interesses individuais em nome dos coletivos.  Afinal, pode-se manipular algumas pessoas por algum tempo, usando artifícios diversos para que elas façam somente o que queremos, mas não se pode submeter a todos o tempo inteiro – a manipulação é uma situação necessariamente efêmera, instável, até por não estar harmonizada com a energia mais poderosa do universo, o Amor Divino.





Mas, além do ego em si, há outra força muito poderosa que dificulta essa tão necessária mudança de rumos: o “egoísmo coletivo”, ou seja, a soma dos egoísmos individuais, que emanam energias dissonantes que vão entrando em ressonância entre si e criando uma verdadeira “egrégora desviada”, que está por trás da cultura do individualismo, da independência, do hedonismo, do egoísmo.

Hoje em dia existem inúmeros estímulos coletivos que estimulam você a ser egoísta, ou a ter uma visão de mundo egoísta.  Existem inúmeros exemplos, devidamente endeusados, de pessoas independentes, que conseguem o que querem, que “constroem impérios”.  As referências apresentadas como “bons exemplos” para todos são: o “self made man”, o vencedor, o que ganha a competição (de preferência individual), o “melhor” – esse cara pode até ser meio convencido, “marrento”, isso é tolerado se ele é um vencedor. 

Podemos perceber quais são os grandes ídolos da atualidade: artistas, esportistas, pessoas que, submetidas à pressão da competição, conseguem se superar e se destacar, individualmente.  E em geral essas pessoas têm sérios problemas ligados a um ego superdesenvolvido – muitas são infelizes, escravizadas por vícios diversos, derivados dessa “egomania”, e algumas não resistem, e se matam ou abandonam tudo, em busca de uma vida mais saudável e equilibrada.

Será que esses “ídolos” devem servir de exemplo para todos nós?  E os verdadeiros heróis da vida real, os que todo dia prestam seu serviço de forma abnegada, ajudando os outros, dando sua colaboração dedicada para que toda a sociedade possa viver melhor?  Quem cultua um lixeiro, um bombeiro, um policial, um faxineiro, um professor de ensino básico, um enfermeiro, um guarda de trânsito, um eletricista, um mecânico?  Quantos desses são “celebridades”, são famosos, são reverenciados pelos demais, são parados na rua, são caçados pelos fotógrafos?  E o que seria da sociedade sem eles, sem os trabalhadores que devotam suas vidas ao bem estar de todos?

Percebe-se claramente o que muitos chamam de “inversão de valores”, claramente mostrada na imprensa em geral: o que dá notícia é o egoísmo, a maldade, a barbárie, o estrelismo, a violência.  Quantas notícias, filmes ou programas de televisão existem sobre valores mais elevados, tais como amizade, amor equilibrado, solidariedade, altruísmo, superação?  Sem dúvida, existem vários estímulos “positivos” na mídia em geral, mas para cada bom exemplo há vários outros péssimos, com muito mais destaque.

Ligue a TV em qualquer canal aberto.  Qual a probabilidade de se ver um exemplo de boa vontade e de ajuda desinteressada, de verdadeiro heroísmo e valor altruísta?  E qual a probabilidade de se deparar com os mais diversos tipos de conflitos dissonantes, mistificações e manipulações diversas, só para se ganhar audiência a qualquer custo? 

Afinal, porque os bons não têm destaque, não chamam a atenção?  Muitos podem responder: porque são chatos.  Já pensou um filme, uma novela, em que todos sejam bons, todos queiram o bem comum?  Não iria dar audiência mesmo.  Afinal, o público adora os vilões, são eles que movimentam qualquer boa história, e o mocinho normalmente não é sedutor para o público.  Um grande exemplo de sedução do mal é essa onda de vampiros heróis, que tanto sucesso vem fazendo entre os adolescentes – o vampiro é mau, muito mau, e por isso mesmo irresistível. 

Mas será que os bons são mesmo chatos?  Vamos pensar um pouco: Jesus Cristo era um chato?  E Maomé?  E Buda?  E se fossem, então porque atraíram tanta gente?  E porque seus ensinamentos ainda fascinam tantos?  Podemos então concluir que é perfeitamente possível ser muito bom e nada chato, basta assumir a vida por inteiro, ser verdadeiramente autêntico, e não aquela pessoa que se considera “autêntica”, mas no fundo é somente mal educada e inconveniente.

De forma geral, chato é aquele que, tendo um ego imenso, faz de tudo para disfarçá-lo, tentando se adaptar ao que os outros dizem, tentando ser bonzinho – mas as pessoas acabam percebendo a mistificação em algum momento, no mínimo pela total falta de entusiasmo e energia que a pessoa demonstra no trato social.  Ou então é aquele inconveniente, que não tem muita ideia das consequências de seus atos egoístas, e sem muita noção vai esbarrando em todos, sem pedir desculpas, desrespeitando regras básicas de convivência – esse aí é muito chato mesmo.

Por mais que o vilão fique bem em uma história, por mais que ele dê emoção e movimento ao que se vê na tela, quem gostaria de viver ao lado de um?  Quase ninguém.  Afinal, ninguém quer ser vítima de uma prática inescrupulosa, ninguém gosta de ser desrespeitado, de levar a pior, não é mesmo?  A prática egoísta tem esse defeito básico – como ela beneficia um em detrimento do outro, ela provoca um prazer e um desprazer, sendo este último em geral mais intenso.  Tal fato torna qualquer iniciativa egoísta totalmente dissonante, desconectada do Amor Divino, que está sempre em busca do ganha-ganha, do estado em que todos se beneficiem. 

Somente iniciativas que beneficiem a todos, ou à grande maioria, podem ser sustentáveis e prósperas no longo prazo.  Quaisquer outras, por mais majestosas que pareçam, fatalmente irão sucumbir.  Vejamos o exemplo dos grandes impérios da História, obtidos e mantidos à custa de muita violência e intimidação – eles fatalmente caem, e muitas vezes de forma melancólica, vencidos por alguma outra força ainda mais violenta e intimidadora, ou por alguma força civilizatória, que dá um basta a um domínio artificial e imposto.

Em suma, esses são pontos de reflexão para mostrar como nossa cultura moderna valoriza imensamente comportamentos e ideologias egoístas, individualistas, que não trazem felicidade nem realização a praticamente ninguém.  No meio de todos esses estímulos, como uma pessoa poderá empreender esse caminho “diferente” do autoconhecimento, de buscar sua verdadeira essência, por trás dos impulsos egoístas, dominantes em nossa sociedade?

Pode-se perceber que o processo é bem difícil, e normalmente as pessoas, para iniciá-lo de verdade, passam por algum trauma em suas vidas, um acontecimento inesperado que as faça perceber que o rumo que elas estavam dando às suas vidas não é o mais adequado.  Assim, um acidente, uma doença prolongada, uma perda de um ente querido, essas situações, com certa frequência, fazem com que a pessoa tome a decisão de iniciar uma caminhada mais humilde, menos egoísta, em busca de sua essência, de Deus dentro de si.

Mas não é necessário sofrer muito, algumas pessoas simplesmente têm consciência de que este é o melhor caminho a seguir e o buscam conscientemente, tornando-se místicos, servidores da causa da Reintegração Divina.  E, o mais importante, esse caminho está acessível a qualquer pessoa minimamente madura, que tenha vontade de segui-lo – e a vontade é o principal requisito para isso.

A partir daí, a partir do momento em que a pessoa se convence que o melhor caminho é mesmo o da Reintegração Divina, o ego vai progressivamente assumindo seu lugar original, o de garantidor de sobrevivência e reconhecimento, e cada vez mais ele vai-se submetendo aos desejos mais altruístas, mais amorosos, que vêm de Deus, por meio da alma de cada pessoa.  Cada vez mais essa pessoa vai se harmonizando com os seus anseios mais profundos, os anseios espirituais, e vai construindo seu legado para a humanidade.

Devo falar agora das principais características dessa diminuição do ego.  À medida que a pessoa vai reduzindo o poder de influência de seu ego ao seu papel natural, ela vai percebendo que a ajuda ao próximo é, em geral, a melhor atitude, e que a forma mais civilizada de resolver conflitos é negociando livremente, de forma flexível, sabendo ceder no que não é essencial, sabendo ouvir e se colocando no lugar do outro, ou seja, desenvolvendo empatia. 

Com isso, naturalmente, a pessoa começa a ter as seguintes atitudes:
- Colaboração, ao invés de competição – em vez de “se defender” dos outros, ela passa a ajudar os outros, e fazer com eles o que espera que façam com ela – normalmente funciona muito bem essa estratégia, e de uma forma ou de outra suas necessidades importantes são satisfeitas, da melhor forma, além de se criarem laços de amizade e cumplicidade valiosos.
- Solidariedade, ao invés de alienação – ela passa a se importar muito mais com o que os outros estão sentindo, sem segundas intenções, somente por gostar dos outros.  Com isso, ela se torna uma pessoa mais simpática e carismática, construindo laços mais fortes e duradouros.
- Busca de objetivos mais duradouros, ao invés de hedonismo inconsequente – ela passa a ver as coisas em uma perspectiva de longo prazo, passando a se preocupar com o que ela vai deixar nesse mundo, com o seu legado para quem fica, com a maneira como as pessoas vão se lembrar dela no futuro. 

A caminhada mística necessariamente envolve obras concretas, realizações relevantes, que venham a ajudar os outros a viver melhor – em qualquer campo do conhecimento, de qualquer forma, em um trabalho físico, intelectual ou espiritual, em um trabalho simples ou complexo, solitário ou que envolva muita gente – não importa a forma ou o assunto em si, o mais importante é que efetivamente ajude a humanidade a dar mais um passo na direção da Reintegração Divina.  E o fato é que oportunidade de serviço não falta, já que há tanto ainda por fazer...

Mas esse processo de “redução” do ego enfrenta várias resistências – o ego é apegado a si próprio, por sua natureza ele é programado para sobreviver a qualquer custo, hipertrofiado.  E daí surgem os diversos obstáculos já tratados em diversos posts anteriores (os de nº 15 a 21).  Vou nomeá-los: os básicos – egoísmo e medo – gerando os principais – orgulho, ira, inveja, preguiça, gula, luxúria e avareza – que usam como grande instrumento a mentira, a hipocrisia.  Todos têm origem em uma visão distorcida, provocada por um ego superdesenvolvido, e provocam inúmeras dissonâncias, conflitos e situações desarmônicas, conforme já detalhado nos posts citados.  Recomendo uma revisão dos mesmos, para melhor ideia das dificuldades que se apresentam no caminho.

E para poder avançar nesse caminho é necessária uma motivação extraordinária, de forma a colocar sua melhor energia nos objetivos em questão.  E como obter essa motivação?  A partir de acontecimentos marcantes (e muitas vezes traumáticos), ou então de uma decisão consciente.  Em qualquer caso, o engajamento a uma organização mística, em que há um grupo de pessoas dedicado ao mesmo objetivo, é de grande valia, ajudando imensamente nesse esforço.  Se a organização for iniciática, melhor ainda, pela capacidade que a iniciação tem de facilitar a conexão do buscador com energias mais elevadas.

Devo concluir dizendo que, apesar de estarmos em plena “Era do Ego”, em que há inúmeros exemplos e estímulos para que cada um seja um “egomaníaco” em mais alto grau, a caminhada da Reintegração envolve, a partir de uma individualidade minimamente saudável, uma redução progressiva da relevância e dos impulsos do ego em nossas vidas. 

Posso dizer que, embora percamos algo dentro de nós, pois o ego vai se encolher e teremos que abrir mão de alguns pensamentos, emoções e atitudes que podem ser muito caros ou  prazerosos a nós, a recompensa é muito maior – vale a pena mesmo!  O que é mais importante: ter razão, fazer só o que se quer, ser importante, rico, desejado, ou ser feliz?

Vale a pena pensar sobre a possibilidade de se engajar em alguma organização de pessoas que buscam reduzir o papel do ego em suas vidas, se libertando da rede de obstáculos, em busca da Reintegração Divina!

Saudações fraternas.

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